segunda-feira, 18 de julho de 2011

Malvado Despertador

Dez horas da manhã. O despertador tocava teimosamente pela segunda vez. Os meus braços, como o resto do corpo, afundavam, pesados, nos lençóis brancos e perfumados. As minhas pestanas largavam, chorosas, as suas parceiras. Olhei para o tecto. Não o reconheci. Onde estava eu? Olhei de um lado ao outro do quarto. O rosa bebé vindo das paredes tranquilizavam-me. Sentei-me, enrolado, na cama. As macias e delicadas madeiras arrefeciam-me os pés. Olhei para o lado. Dançando em cima do despertador, estava uma doce e repetitiva bailarina de ballet. Nada daquilo me era familiar. Definitivamente. Levantei-me, cambaleando, junto à cama. Dirigi-me à luz que me espreitava, curiosa, pela greta da porta. No exterior do quarto, um lustre cristalino se opunha à minha pessoa. Fiquei ofuscado pela luz brilhante que me atacava os olhos enquanto descia as escadas que abriam os braços à medida que me aproximava da mesa imponente, quase monárquica, deixada na entrada da casa. Procurei algo que me guiasse. Uma luz. Uma voz. Um cheiro. Em vez disso, ouvi um som. Um som de água que escorria infinitamente para um local por mim desconhecido. Segui o som. A curiosidade e a suspeita lutavam em mim. Onde estaria eu? O que faria ali? A porta estava encostada. Decidi entrar. Uma nuvem de vapor quente envolveu o meu aparecimento. Tentei encontrar algo. Aproximei-me da água e, subitamente, que visão de artista! Notei, de costas, uma rapariga. Deusa. Musa. Cabelos longos e escuros. Pele morena pulverizada de dourado. Curvas perfeitas e sedutoras. Quem seria ela? Quem seria aquela Afrodite latina que aparecia daquele quente nevoeiro? A sua perfeição infiltrava-se em mim. Puxava-me tudo o que em mim havia. A voz. Os suores. Os cheiros. O tacto. Deixou-me despido de todos os sentidos, ficando apenas e só focado naquela perfeição, da qual me aproximava. Toquei-lhe nas costas suaves e húmidas. Virou-se. Não me estranhou. Observei-a de novo. As curvas que antes descrevera como perfeitas e sedutoras, triplicaram a sua perfeição e sedução. Olhei-a nos olhos. Tentei obter uma resposta. Mas os seus olhos verdes selvagens calaram-me e os seus lábios carnudos paralisaram-me…

Dez horas da manhã. O despertador tocava teimosamente pela segunda vez. Abri os olhos. Observei o quarto. O cor-de-rosa relaxante transformara-se em quadros e posters. O despertador já não suportava uma bailarina, mas sim as inúmeras pancadas que lhe dava, rabugento, todas as manhãs. Da cozinha, ouvia a minha mãe chamar-me. E suspirei por estar em terreno conhecido e rui-me de curiosidade sobre todo aquele sonho. E que sonho!

João D'Hem


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