quinta-feira, 7 de julho de 2011

Os Silenciosos Barulhos Matinais

Tudo ali parecia calmamente adormecido. Os estrondos do silêncio saltavam de parede em parede. Os cortinados aveludados abraçavam-se ritmicamente e dançavam as valsas inglesas tocadas pelo gramofone antigo e estático que, quando acordava, se sentava junto à janela e, ao fim das tardes solarengas, quando o Sol se punha, se arrumava nos armários trabalhados e maciços. Os cadeirões idosos e largos respiravam de braços abertos o ar fresco e matinal. As duas portas, conversavam através de “rugidinhos” fracos, mas persistentes. O esverdeado dos teus olhos escorregava pelo quadro para ti pintado, através do chão, já gasto, até à luz longínqua e bela que, sem pedir licença, entrava em todas as janelas lisboetas. Por toda a casa havia vestígios claros de um crime bem cometido. Ainda conseguia ver e lembrar todos os beijos doces e selvagens, todos os gestos verdadeiros e delicados. A melodia dos teus leves e apressados passos ainda chegava com a brisa. O pesadelo da tua ida destruía meus sonhos futuros com a incerteza doida e gigantesca que rondava o meu corpo. Os copos divertidos e partidos permaneciam banhados em champanhe, deitados no chão, mostrando a sua madrugadora preguiça. Preguiçoso também eu estava. Ou melhor, preso a memórias que me puxavam para aquela dormência. A luz das oito gritava-me. Agarrava-me bruscamente pelos braços e pés. Tive que ceder. Sentei-me junto àquelas coscuvilheiras janelas que todas as conversas ouviam. Os barcos ao fundo, no Tejo, acenavam-me. Os pássaros cantavam os bons dias. A cidade acordava e eu assistia. Assistia, cheirava e ria. Assistia aos movimentos dançantes da luz dentro da sala. Cheirava o rasto de perfume que deixaras. E ria por, mais um dia, poder assistir, cheirar e rir de novo…


João D´hem para AA

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